São Paulo – O livro “A Hora da Estrela”, da escritora brasileira Clarice Lispector, foi lançado em idioma árabe no final de junho no Egito. Traduzida pelo pesquisador e professor Maged ElGebaly e publicada pela editora Kotob Khan, a obra pode ser encontrada nas livrarias das grandes cidades egípcias e de outros países árabes, como Emirados Árabes Unidos e Líbano.
O romance conta a história de uma datilógrafa alagoana, Macabéa, que se muda para o Rio de Janeiro. No livro, ela tem sua rotina, seus sonhos e conflitos narrados por um escritor fictício chamado Rodrigo. “Eu sou sozinha no mundo e não acredito em ninguém, todos mentem, às vezes até na hora do amor, eu não acho que um ser fale com o outro, a verdade só me vem quando estou sozinha”, diz um trecho do livro.
Clarice Lispector nasceu na Ucrânia, mas veio para o Brasil ainda bebê e foi naturalizada brasileira. Ela morreu aos 56 anos, em 1977, e deixou uma das obras mais iradas da literatura brasileira. É considerada uma das mais importantes escritoras do século 20. “A Hora da Estrela” é um dos seus livros mais publicados no exterior.
Maged ElGebaly é coordenador do Departamento de Língua Portuguesa da Universidade de Assuã, no Egito. O livro é a sua primeira tradução do português para o árabe publicada. Formado em Letras Árabes e Espanhol, ele foi tradutor do Ministério de Cultura do Egito, tem mestrado em Linguística pelo Instituto Caro Y Cuervo e doutorado em Tradução pela Ain Shams University, e em Letras pela Universidade de São Paulo (USP).
ElGebaly conta que seu contato com Clarice Lispector é de 2003, quando começou a ler “Laços de Família”, outro livro da autora, durante cursos de língua portuguesa para estrangeiros na Casa de Cultura Brasil-Colômbia. Quando começou o doutorado na USP, ele ou a ler os romances clássicos da literatura de língua portuguesa.
“Entre esses romances, o olhar feminino e a escrita íntima, psicológica e filosófica de Clarice Lispector em ‘A Hora da Estrela’ me cativaram. É daqueles livros que você pega a primeira página para ler e não deixa o livro até terminar. A figura da nordestina Macabéa dialogava com a resistência iva de muitas jovens egípcias e árabes que se deslocam atualmente das vilas e das aldeias para as cidades grandes para estudar e trabalhar”, conta ElGebaly.
A partir isso, o egípcio ou a estudar a obra de Clarice para traduzir “A Hora da Estrela”. Em 2015, a editora Kotob Khan comprou os direitos de tradução de Clarice para o árabe e entrou em contato com ElGebaly, coordenador do único bacharelado em língua portuguesa do Oriente Médio. A tradução foi feita em 2016.
“Eram horas e horas de diálogo com a textualidade da obra para poder decifrar a ‘epifania’ nos diálogos das vozes narrativas, com a narração ando em dois níveis: de Rodrigo e de Macabéa”, disse ElGebaly à ANBA. De acordo com ele, era muito importante decifrar as vozes na narração e explicar e compensar os silêncios e subentendidos com complementos em árabe para que o texto não ficasse truncado ou ininteligível ao leitor.
ElGebaly teve apoio de amigas e amigos para decifrar alguns trechos, em especial de Khalid Tailche, iraquiano que é professor e doutor pela USP. “Era preciso, na hora da codificação da obra em língua árabe, construir os registros socioculturais brasileiros e as referências filosóficas de cada personagem em língua árabe”, conta o tradutor. A visão profunda e a linguagem metafórica de Clarice, porém, casaram muito bem com o árabe literário, segundo ElGebaly.
Além deste livro, o egípcio fez tradução para o árabe de “Relato de um certo Oriente”, do escritor Milton Hatoum, como parte da sua tese de doutorado pela USP, mas o trabalho não chegou a ser publicado. Ele já participou, porém, da organização de livros sobre literatura da língua portuguesa e publicou capítulos de livros de literatura e linguística. ElGebaly pretende seguir atuando com tradução de literatura do português para o árabe.
O egípcio está no Brasil para colocar em dia as pesquisas em literatura da língua portuguesa. Ele participou do Simpósio Internacional de Literatura e Imprensa na Universidade Federal do Maranhão, no qual apresentou, com Liliane Correa, uma pesquisa sobre o diário e o registro da imprensa da visita do imperador Dom Pedro II ao Egito. ElGebaly teve outras várias atividades no Maranhão, Pará, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, voltadas à relação entre as culturas e as literaturas árabe e brasileira. Também estava na agenda agem por Santa Catarina.